Pode admitir: você mentiu! Você disse para seu amigo que ele ficou ótimo com o novo óculos de sol enquanto na verdade você achou horroroso! Ou talvez você tenha falado para seu chefe que a apresentação dele ficou incrível, mas você já estava dormindo depois de cinco minutos.
Todos nós mentimos. Mas isso não quer dizer que temos um desvio de caráter nem que seja algo necessariamente ruim. Algumas pesquisas mostram que durante uma conversa de 10 minutos, as pessoas falam em média de duas a três mentiras. Outra pesquisa, bem mais conservadora, perguntou para as pessoas se elas haviam contado alguma mentira nas últimas 24 horas. Em média, cada pessoa disse que havia contado 1,6 mentiras. Elas mentiram! Provavelmente esse número é bem maior!
A ideia de escrever este artigo veio a partir de um vídeo que assisti de um dos maiores especialistas brasileiros em linguagem corporal, Ricardo Ventura. No vídeo, extraído de um quadro da TV Gazeta, ele analisava microexpressões faciais de alguns famosos e dizia o quão congruente a linguagem corporal deles estava com o que eles queriam transmitir. Para minha surpresa, as pessoas mentiam bem mais do que eu imaginava.
A partir disso, comecei a me perguntar: por que nós mentimos tanto? Existe alguma forma de descobrir quando alguém está mentindo?
Imagine por um momento todas as possibilidades que se abririam se nós fôssemos capazes de analisar rapidamente as mentiras dos outros ou mesmo aprender a disfarçar melhor nossas próprias mentiras. Descobrir se a namorada está traindo, se nosso adversário no poker está blefando ou mesmo se nosso funcionário realmente estava doente quando faltou ao trabalho.
Comecei a pesquisar sobre esse assunto e descobri algumas coisas surpreendentes sobre o estudo da mentira.
Os diferentes tipos de mentiras
Existem tipos diferentes de mentiras, que vão desde aquelas inofensivas e importantes para boa convivência até aquelas que são contadas por um político em frente às câmeras ou por um criminoso quando interrogado pela polícia.
No geral, as mentiras podem ser agrupadas em 3 categorias:
1. Mentiras que servem para proteger o mentiroso.
2. Mentiras que servem para evitar tensão ou conflito.
3. Mentiras que servem para não magoar outra pessoa.
A maioria das mentiras são inofensivas e não prejudicam a ninguém. Esse tipo de farsa é necessário para nossa convivência em sociedade e seria impossível vivermos ao lado de outras pessoas se todos fôssemos sinceros o tempo todo. Imagine a seguinte situação: você é convidado para o aniversário de um amigo, faz um esforço gigantesco para ir ao shopping, comprar um presente para ele e quando entrega o presente ao seu amigo, escuta algo como, “Obrigado, mas infelizmente não vou usar. Detestei este cheiro!”. Seria no mínimo constrangedor não é mesmo?
“Quem não gostaria de desmascarar um político corrupto ou um parceiro infiel? Aprenda as técnicas usadas pela polícia para desmascarar mentirosos…”
No entanto, há aquele tipo de mentira que é extremamente prejudicial a outras pessoas. Quem não gostaria de desmascarar um político corrupto ou um parceiro infiel? Ou talvez conseguir perceber quando um colega de trabalho ou amigo mentiu para recusar um convite. É exatamente disso que falar neste artigo.
Como descobrir uma mentira?
Independente de qual o motivo para se contar uma mentira, quase sempre é possível descobrir um mentiroso. Podemos até mentir com nossas palavras, mas nossa comunicação não-verbal sempre deixará pistas que, ao olhar de alguém atento, não passará em branco. Em alguns casos raros, como o de algumas pessoas com desvios psiquiátricos, como o de alguns psicopatas, detectar um mentira pode ser um desafio. Mas para 99% dos casos, conseguiremos descobrir uma inverdade sem maiores dificuldades.
No livro “You Can’t Lie to Me”, da especialista em linguagem corporal e detecção de mentiras, Janine Driver, ela cita algumas ferramentas que são usadas para desmascarar um mentiroso. Muitas das ferramentas já são usadas e testadas por departamentos de polícia ao redor do mundo por décadas em seus interrogatórios. Os fundamentos para detectar uma mentira são:
1. Estabeleça a baseline
O comportamento das pessoas varia drasticamente conforme a idade, condição social, situação financeira, nível cultural ou mesmo familiaridade com o ambiente. Por isso, é fundamental sempre começar estabelecendo o padrão de comportamento da pessoa quando ela está relaxada, falando sobre alguma coisa que ela tem familiaridade. Por isso, no início, procure estabelecer rapport com a pessoa, conversar sobre coisas que ela está acostumada. Esse será seu padrão de comparação.
2. Faça a mesma pergunta, de formas diferentes
Nos interrogatórios a polícia faz a mesma pergunta, de forma diferente, pelo menos 3 vezes. Essa é uma das formas mais fáceis de desmascarar quando alguém está mentindo, porque fica fácil descobrir inconsistências no discurso. Por exemplo, você poderia perguntar, “quantos anos você tem?”, “qual ano que você nasceu?”, “quando você se formou no ensino médio?”. Note que todas essas perguntas levam ao mesmo lugar. No entanto, se a pessoa estiver mentindo, provavelmente você conseguirá notar alguma inconsistência ou dificuldade para responder.
3. Faça perguntas abertas
Outra poderosa arma durante os interrogatórios são as perguntas abertas. Comece com coisas como “Me fale mais sobre…” ou “Como você explica…”. Após a resposta, continue em silêncio, olhando a pessoa. Esse silêncio irá gerar desconforto e, se a pessoa estiver mentindo, ela irá voltar a falar de forma apressada, tentando cobrir as lacunas que ela acredita que pode ter deixado. Desconfie se a pessoa tenta dar detalhes em excesso ou apresenta um discurso ou fala diferentes daqueles observados durante a baseline.
4. Observe alterações de humor
Mentir gera estresse físico e psicológico. Para mentir as pessoas precisam recriar uma realidade que não existe. Esse processamento mental dobrado, aliado ao medo de serem pegas, fazem as pessoas se tornarem mais irritadas ou impacientes. Mais uma vez, procure definir qual é a baseline da pessoa e veja se ela demonstra qualquer sinal de desconforto ou irritação quando está falando sobre o assunto.
5. Observe sinais da linguagem corporal
Pessoas em situações de estresse e perigo tendem a ficar na defensiva. Ao contar uma mentira as pessoas inconscientemente projetam uma postura defensiva, geralmente cruzando braços, pernas. Outros sinais para procurar incluem tiques nervosos, coçar o rosto, nariz, colocar a mão no pescoço, apontar os pés numa direção contrária ao interlocutor, contrair os ombros. Podem até parecer coincidência, mas geralmente esses pequenos sinais são fortes indicadores de que há alguma coisa errada.
6. Decodifique microexpressões faciais
Este provavelmente é daqueles sinais mais difíceis de detectar. Se você já assistiu à série de TV “Lie to me”, provavelmente já está familiarizado com o conceito. Em linhas gerais, nós expressamos nossas emoções através da contração ou relaxamento de alguns músculos faciais. Pioneiro no estudo das microexpressões faciais, o Dr. Paul Ekman, identificou sete emoções humanas básicas: alegria, tristeza, aversão, medo, surpresa, raiva e desprezo. Cada uma dessas emoções é representada por uma expressão facial bem definida. Quando o mentiroso tenta forjar uma emoção, é possível dizer que a expressão não é genuína. Por exemplo, felicidade. O sorriso forçado não contrai os músculos ao redor dos olhos, somente a boca. Caso você queira entender melhor como funciona cada uma dessas expressões, recomendo que você pesquise pelos trabalhos do Dr. Ekman.
Quem mente mais, o homem ou a mulher?
Por algum motivo, existe um certo tipo de consenso de que os homens mentem mais que as mulheres. Será que isso é mesmo verdade?
Durante os inúmeras artigos, pesquisas e livros que pesquisei, não encontrei nenhuma prova de que homens realmente ganhem das mulheres no quesito mentira. No entanto, uma coisa me chamou atenção: homens e mulheres tendem a mentir por motivos diferentes. No geral os homens tendem a mentir para parecerem melhor aos olhos dos outros enquanto as mulheres tendem a mentir para não magoarem os sentimentos dos outros.
Por exemplo, para o homem durante a conquista pode ser comum mentir sobre o lugar onde mora, a profissão, as conquistas pessoais. Um cara que é enfermeiro, por exemplo, poderia dizer para mulher que é médico, como tentativa de melhorar a forma que a mulher o vê. Já a mulher, tende a mentir em outros tipos de situações. Se ela ganha um presente de uma amiga, ela certamente irá dizer que adorou, ainda que tenha detestado. É uma forma que ela tem de não magoar as outras pessoas.
Não preciso nem dizer que, mentir para parecer melhor aos olhos das mulheres, jamais vale a pena na conquista. Se você tiver qualquer fator que te incomoda, como por exemplo, sua idade, morar num bairro afastado ou sua profissão, tente focar na forma de dizer isso, não contando uma mentira. Se você mora num lugar afastado, pode contar isso de forma engraçada e, dessa forma, você contrapõe o que poderia ser negativo inicialmente. O mesmo vale para idade, profissão ou qualquer outro fator.
Quem desvia o olhar está mentindo?
Esse é, provavelmente, o maior mito que ouvimos por aí sobre a mentira. As pessoas acreditam que o mentiroso é incapaz de olhar nos olhos ao falar e que pessoas sinceras olham fixamente nos olhos. Belo engano!
Na verdade, ao buscar por uma mentira você deve analisar sinais de desconforto ou estresse. Desviar o olhar pode ser um desses sinais, mas lembre-se de comparar isso à baseline da pessoa. Muitas pessoas, naturalmente desviam o olhar sem que necessariamente estejam mentindo, enquanto bons mentirosos são capazes de olhar fixamente para os olhos do interlocutor.
Como colocar tudo em prática?
Contar uma mentira, além de gastar grande processamento mental, também causa desconforto, estresse. Com um pouco de atenção é possível desmascarar um mentiroso pelas suas inconsistências, falhas de discurso, alteração de humor, linguagem corporal defensiva, microexpressões faciais. Procure observar com calma cada um desses sinais e, com um pouco de prática, você será capaz de se tornar um detector humano de mentiras.